A pior fala da primeira temporada de O Mandaloriano
Olá, eu me chamo Lucas Rafael e você está lendo o texto que inaugura este medium, porque eu não sou muito de escrever mesmo, mas de repente deu uma vontade. Já coloquei um lo-fi brabíssimo aqui, então dá pra dizer que já foi metade do caminho, agora é só terminar.
Estamos em 2020 e, aproveitando o pequeno hype e o brando retorno de O Mandaloriano nas plataformas digitais como Disney Plus (acho que foi um pouco ofuscado pelas eleições, mas quem sou eu pra dizer), eu decidi falar sobre essa fala que tá me deixando maluco desde que assisti ao segundo episódio de O Mandaloriano, “The child”, lá em 2019. Tive que pausar o blu-ray, adquirido legalmente com um amigo que veio dos EUA, no momento em que eu percebi o que acontecia, tamanha a indignação. E, desde então, este fantasma me persegue.
Já foi tema do meu canal de vídeos ensaios imaginários, às vezes como primeiro vídeo, às vezes como apenas um para fazer número quando o canal adquirisse alguma consistência. Minha imaginação me dá muito trabalho e dessa vez até um canal foi criado, mas também me dá soluções práticas, como a seguinte: se eu posso fazer um vídeo ensaio sobre isso, eu posso fazer algo mais simples, como um ensaio. Já que entrei na lógica da simplificação, vamos deixar ainda mais fácil, por favor, e transformar isto em um texto do medium.
Aqui estamos, aqui chegamos.
Agora finalmente vamos direto ao ponto porque eu já enrolei o suficiente e lembrei que não tô escrevendo um trabalho da faculdade de comunicação que precisa de pelo menos umas cinco (5) páginas para parecer que houve qualquer esforço.
Por que a série do Mandaloriano é tão legal? É porque resgata a inocência e a bobagem que costumávamos amar no início de Star Wars? Será que é porque aprofunda em um dos aspectos mais legais do mundo criado por George Lucas: a sobrevivência daqueles que não são nem Rebeldes, nem Império? Porque tem um bebê fofo levado por um pai solteiro de armadura cromada? Ou porque tudo parece um faroeste onde poucas palavras são trocadas e tudo acaba em tirinho? Espero ter feito um uso correto dos porquês, se não toda minha convicção vai por água abaixo. Agora o uso do senão eu admito que posso muito bem ter errado.
Eu diria que a aventura do nosso herói cromado tem tudo isso (e muito mais, mas nem tanto também, não vamos exagerar). O Mandaloriano é legal porque sabe o que faz Star Wars legal, porque sabe que a história simples e formulaica de Uma Nova Esperança, símbolo maior da jornada do herói, gerou omelhor filme do universo com tantas guerras e estrelas. Star Wars é uma aventura de fantasia com skin espacial. Troque as naves por navios (ou carroças), os sabres de luz por espadas mágicas e a Força por uma energia espiritual mágica… bem, é exatamente isso que ela é, né (não digam pro George Lucas que eu disse isso) e você terá uma das fantasias medievais contemporâneas a Star Wars, como Dragonslayer ou mesmo Krull. E é esse cenário que a série emula o tempo todo. Mercenários, robôs engraçados, areia e tudo acabando bem, agora com um personagem e história que lembram mais os filmes de faroeste. Tudo bem leve e temperado pelo nosso heroizinho verde.
Entretanto, nenhuma série é inequívoca. O Mandaloriano tem uns episódios mais legais, outros menos, eu pessoalmente acho o último episódio péssimo, o que obviamente não ofusca o resto da série. Porém, nenhum de seus defeitos me deixa mais irado do que a frase proferida por Mando no segundo episódio, quando os Jawas mandam que ele deixa as armas durante uma tensa negociação. O Mandaloriano quebra todas as regras de roteiro, a própria construção como personagem e manda a seguinte frase:
“Sou um Mandaloriano. Armas são parte de minha religião.”
Vamos ao motivo de eu odiar essa frase. Não é nem porque ele parece um eleitor do Trump falando (experimenta trocar Mandaloriano por Americano). Até então, o que temos é um Mandaloriano que não é muito de levar desaforo para casa e, ao invés de bater boca, resolve a maior parte dos seus problemas com suas habilidades de mercenário, que incluem: atirar, amarrar, cortar, fatiar, picar, explodir, entre outras. Basicamente um protagonista silencioso, arquétipo famoso dos bang-bangs que inspiraram tanto a criação de Star Wars quanto da própria série.
O que sabíamos dos Mandalorianos tinha sido mostrado no episódio anterior: são seres cuja batalha está intrinsecamente ligada à própria identidade. É um povo cuja estrutura social (a que resta, aliás) se sustenta através das lutas que travam. É claro que armas são importantes pra ele! Quando os Jawas pedem que largue as armas, ele não foge disso, responde como é: um mandaloriano, portanto não soltará as armas. Mas a justificativa que segue é fraca, é falar demais, é o contrário do personagem que vinha sendo construído, que falava apenas o estritamente necessário.
Existe uma regrinha dessas no cinema que não é exatamente uma regra, tá mais para uma convenção que dá bons resultados. Chama-se show, don’t tell, que traduzido fica algo como mostre, não conte. É uma convenção que o próprio Jorge Lucas quebrou quando fez da segunda trilogia de Star Wars (que nem é tão ruim assim quanto as pessoas falam) uma explicação de todos os mistérios da primeira trilogia. Ele primeiro mostrou Darth Vader, mostrou o Império e mostrou a Força, para depois explicar cada um desses elementos em três filmes cuja duração poderia ser um pouco atenuada, eu admito.
O ponto é: O Mandaloriano segue muito bem esta convenção, evitando explicar demais e perder tempo com contações desnecessárias, o que torna a história interessante e cria um ritmo legal. Porém, quando Mando assume que não largará as armas porque faz parte de sua religião ele está não só entregando demais quem ele é, como criando uma justificativa que foge à sua comunicação habitual, que provavelmente seria dar um tiro no alto para assustar o primeiro que sugerisse algo do tipo. Eu entendo que essa frase entrou aí porque o Jon Favreau queria deixar claro a relação dos Mandalorianos com o bélico, mas para isso ele abandona a essência do personagem silencioso e misterioso que criou.
Eu assisti a este episódio duas vezes porque fui apresentar a série a uma pessoa querida e acabei vendo os primeiros cinco (5) episódios duas vezes. Nos dois momentos, esta frase foi o suficiente para abalar minha serenidade por alguns segundos, quebrar a entropia da imersão e me colocar num turbilhão de pensamentos, o que diz muito mais sobre mim do que sobre a qualidade da série, na verdade, que eu acho no geral bobinha, ingênua, divertida e muito boa.
Na própria cena, nos segundos seguintes, Mando exprime com poucas palavras e gestos a exata importância que as armas tem para ele. Apesar do acidente ali atrás, a essência do personagem está de volta. Inclusive, se este fosse o vídeo ensaio que planejei, agora seria o momento em que veríamos um corte da cena suprimindo essa parte e demonstrando como a cena funcionaria perfeitamente sem quebrar a identidade do Mandaloriano como self e como indivíduo pertencente à uma comunidade.
Ainda não pude ver a segunda temporada e espero que nela tenha mais episódios como o da vila de pescadores ou o episódio da prisão. Genuínas Star Wars Stories que gostamos de ver e que servem para nos lembrar porque este universo é tão bacana. Enquanto isso, espero que, se o Mandaloriano começar a falar demais, que seja dentro de uma construção de personagem coerente. Não tenho problemas com um personagem falante de velho-oeste, é até uma novidade interessante, mas que seja desenvolvido assim. Ah, e mais baby yoda por favor, não dá pra não gostar desse carinha.
PS: desculpa não incluir nenhuma imagem durante o texto, eu tenho trauma com isso desde a época dos blogs, que era tão difícil fazer a imagem aparecer e etc.
PS 2: mucho texto